A travessia

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DP

Após 2 anos de procura, finalmente encontrei trabalho e sinto ter feito uma extensa viagem. Agora olhando para trás a imagem que me ocorre é a de ter atravessado um oceano, esse enorme deserto azul. Vejo-me a passar o alto mar tendo só os traços imaginários das estrelas no firmamento a servir de rumo, atravessando um oceano de incerteza para começar a ver ao longe a costa, a terra firme mas desconhecida.

 

Assim é o desemprego: deixa-se um porto seguro e as suas rotinas boas e más para ser lançado à procura de um novo e incerto destino. Passam-se cabos e tempestades, luta-se conta ventos contrários, seguem-se boas correntes, anda-se à bolina, mas para chegar à nossa Índia temos que manter os olhos na estrela lá longe que indica o caminho.

Olhando para trás identifico claramente qual foi para mim o maior desafio desta viagem: enfrentar o horizonte, essa linha continua espalmada entre o azul-marinho e o azul-celeste que continuamente se apresenta à nossa frente dia após dia seja qual for a direção. O horizonte é o lugar a que nos dirigimos sem que ele jamais se aproxime de nós e no dia seguinte encontra-se sempre à mesma distância do dia anterior durante dias a fio.

Enfrentar o horizonte é enfrentar a incerteza e a longa duração da viagem, que não conseguimos controlar, mas é também o desafio de lidar consigo próprio. Perante um cenário sempre igual é dentro de nós, no mundo dos nossos pensamentos que começamos também a divagar, a navegar: O que eu poderia ter sido, o que podia ter feito e não fiz, o que será o meu futuro. Entre o “tenho”, o “devo” e o “devia” ficamos perdidos e revoltados, mastigando passados e conjeturando futuros mas na essência simplesmente perdidos.

Talvez o mais complexo seja focar a nossa atenção no presente quando ele tem tão pouco para nos oferecer. Se estivéssemos atentos, olhássemos as estrelas, as usássemos com referência para saber a nossa latitude e longitude podíamos constatar que apesar do horizonte não nos trazer novidades, em cada decisão que tomamos, já nos deslocámos numa determinada direção, que o nosso esforço não foi em vão, que nunca o é. E se encontramos forte ventos contrários podemos mudar de direção para, embora mais lentamente, avançar mais um pouco, quem sabe na direção certa.

A viagem é longa. É difícil, penosa mesmo. Mas é possível ultrapassar este oceano e deve-se reconhecer uma vitória a cada pequeno avanço. É necessária persistência. O vento e as correntes farão o resto. Quando finalmente chegados ao outro lado do oceano estaremos certamente mais preparados para abraçar a nova vida que nos espera.


"Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam" (José Saramago in A viagem do elefante).

Duarte Perdigão